Lucíola entrou naquela sala encardida. Havia seis mesas, divididas em duas fileiras e encostadas perto das paredes. Ninguém ali sequer levantou os olhos na direção da porta para sinalizar que havia notado sua presença. Irritou-se, mas, exceto por uma agitação nervosa na mão direita, permaneceu imóvel.
Respirava abruptamente. As sobrancelhas pesavam. Trazia um papel que precisava ser assinado por uma pessoa dali. A recepção inócua, no entanto, fez com que esquecesse por um momento da obrigação. O objetivo agora era outro.
Precisava dar um jeito de chamar a atenção. Tossiu quixotescamente, porém todos ali eram surdos - pelo menos para ela. Em nenhum momento pensou em dirigir a palavra a qualquer um dos seres que habitavam o recinto. Preferia conversar com as mesas, mas não arriscou, já que elas a tratariam como uma porta. Até que, talvez inspirado pelo cheiro doce e ocre daquele gabinete, um lampejo criativo surgiu na cabeça da moça.
Deu as costas para os burocratas, caminhou para fora da sala e não fechou a porta. "Ei!", gritou alguém. Cinco segundos depois, Lucíola correu para dentro, em direção ao corredor estreito formado pela disposição dos móveis, com os braços estendidos à frente do corpo. Inclinou-se para frente. Os braços apoiaram no chão, as pernas descreveram uma linha curva e os pés apontaram para cima por alguns segundos, tombando em seguida.
O baque surdo do retorno ao solo ecoou. Ela abriu um sorriso e olhou para todos, buscando aprovação. Não obteve resposta. Na sala, apenas as mesas observavam Lucíola. Não entendiam como uma porta poderia virar uma estrela.
Lucíola piscou. Uma, duas, sete vezes por segundo ao quadrado. Berrou um palavrão. Deu chilique. Ninguém se movia. Saiu da sala bufando, até que alguém gritou:
- FECHE A PORTA!
- AH! PARA ISSO VOCÊS DÃO ATENÇÃO? - bradou Lucíola, histérica, voltando ao recinto com um machado.
- Olha o que eu faço com essa porta!, disse, enquanto desferia golpes violentos no já disforme compensado de madeira, até reduzi-lo a pequenas farpas. Ofegante, ajoelhou-se no chão e começou a chorar.
-Fecha a porta! Feche a porta! A porta! Feche a porta! A PORTA! FECHE A PORTA! - ordenavam múltiplas vozes na sala. Lucíola tapava os ouvidos e sacudia a cabeça. Pegou o machado e avançou em direção a uma das mesas.
Um tiro ecoou.
As seis pessoas da sala, incluindo o autor do disparo, fizeram um círculo em volta do cadáver de Lucíola. "Feche a porta", sussurravam. "Feche a porta."
Feche a porta.
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2 comentários:
Feche a porta: metáfora de Mate Lucíola. Very good indeed! Só temo pela verossimilhança gritante dessa história!Espero que os contatos de Lucíola (oriundos da KGB, CIA, FBI e Scotland Yard) não descubram essa peróla da literatura fantástica e deêm com a língua nos dentes. A retaliação da "verdadeira" Lucíola certamente poderia ser catastrófica!Mas o que ela poderia fazer com Jesus. Recruxificá-lo?
Sei sei, crucificar é com "C", logo recrucificar também é com "C". Tentei modificar, mas quando vi não dava mais. Não me crucifiquem por isso.
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