27/05/2009

De repente

Eis que numa bela manhã saindo de casa, a princesa lucíola - que ainda nao havia contado ao seu príncipe que estava sem emprego - ia em seu carro, sem rumo, ao som de um trovador chamado pedro mariano, pelas ruas da cidade - atropelou um anônimo na rua. Ela nao conseguiu evitar, estava sonhando acordada imaginando-se subindo ao palco com sua amiga lesbo piriguete para atacarem o ídolo. Não viu e passou por cima do mala do anônimo.
Ao descer do carro, a raiva que o pobre anônimo sentia, junto com a dor, evoluiram para uma reação. Tal qual João de Santo Cristo, deu cinco tiros na louca sonhadora. Foi exatamente em direção à cabeça da tresloucada moça, que antes de morrer ainda recitou:
*"De repente a gente saca
Que só não passa o que já passou
Sem vergonha e sem orgulho
Nós somos feitos do mesmo pó"

* nota do autor: música De Repente de pedro mariano

Um feliz conto natalino

Então é Natal…
Lucíola preparava sua ceia. Quase uma mentira começar assim. A verdade é que ela estava apenas desembrulhando e colocando em belas travessas o grande peru que comprou. Mais fácil assim e o parvo do marido nunca que descobriria. Ela pensava em tudo, inclusive desovava os pacotes no lixo da vizinha. Gostava de dizer pra ele que mesmo tão cansada de ficar cozinhando, tinha tomado um banho e ficado cheirosa só para ele. Terminou o trabalho ridículo e foi para a banheira. Ligou a água, experimentou a temperatura e jogou sais de banho. Voltou para ligar um som. A trilha sonora que fazia seus vizinhos de apê desejar com todas as forças que seus tímpanos estourassem. Sim, Pedro Mariano pela bilhionésima vez! Saiu cantando, estava feliz, teria tempo ainda para jogar Harry Potter no computador, antes do idiota chegar. Foi cantarolando e lembrando da viagem na qual comprou o jogo....
Tirou seu elegante robe da Minnie, com direito a orelhas e tudo, e deixou-se deitar na banheira!
Seus pés ficavam batucando na torneira, fechou os olhos e começou a imaginar um tórrido romance com seu cantor preferido! Estava relaxada, nem percebeu uma pessoa em seu banheiro... não sentiu uma mão envolvendo seu pescoço, que foi apertando cada vez mais, ela então percebeu que não fazia parte do sonho que estava criando, tentou abrir os olhos mas foi empurrada para a água, tentou gritar, foi em vão! os sentidos foram sumindo, a música já não chegava aos seus ouvidos... Lucíola estava morta.

24/05/2009

Morte 10 - Obrigado por tudo

Saiu do restaurante com um cheiro de fritura na roupa. Há meses estava nesta situação, escrevendo sobre como é saudável as crianças comerem hambúrgueres e batatas fritas, impregnando-se daquela rotina maçante e polvilhada de hipocrisia. Mas não estava em posição de exigir coisa melhor. Na verdade, aquilo era o que de melhor havia alcançado até aquele momento. “É só um trabalho”, repetia a si mesma, tentando redimir a mediocridade da situação.
Chegou cedo em casa e sentou no sofá. Pensou nas coisas que ainda precisava fazer, no marido... O sono veio logo. Sonhou com o antigo emprego, com as ordens que despejava nos estagiários e com a submissão raivosa ao maldito diretor da empresa. Acordou nervosa e com sede. “Filho da puta”, murmurou, com voz embriagada.
Levantou-se para pegar um copo d’água e, no caminho para a cozinha, ligou o computador. Encheu um copo meio ensebado que estava perto do filtro e bebeu tudo. Voltou para a sala e foi checar e-mails.
Havia trinta mensagens na caixa de entrada, mas apenas uma lhe chamou a atenção. Era um convite para um happy hour, enviado pelas pessoas do antigo emprego. “Que coincidência”. Uma reunião casual, regada à cerveja num desses bares que se pretendem chiques perto da Paulista, às 19h30.
“Alô? Oi, querido. Você vai chegar tarde hoje? Jantar com quem? Não gosto desse cara. Tudo bem. Eu vou dar uma saída, encontrar umas amigas. Mais tarde a gente conversa. Tchau.”
Claro que não haveria só amigas no boteco – se é que haveria amigas, afinal aquelas pessoas não eram confiáveis. Também estaria lá aquele estagiário que a encarava descarada e despudoradamente nos dias de calor. “Nunca me olhava nos olhos, o safado. Agora já deve até ter cabelo no peito, afinal faz tanto tempo.”
Entrou embaixo do chuveiro e a água, inicialmente fria, deixou-a gelada. Deu um pulinho para trás e a barriga chacoalhou com um movimento mole e adiposo. Incomodou-se com a própria nudez e sentiu vergonha. Tomou o banho rapidamente, tentando lembrar onde estaria aquela meia-calça milagrosa que reduz a cintura e contraria a gravidade.
Vestiu uma roupa descolada e passou aquele perfume ma-ra-vi-lho-so de baunilha. “A noite vai ser boa...”, cantarolava ao sair do apartamento. Quando colocou a chave do carro no contato, lembrou: “Não escovei os dentes”.

***


Já era a quarta cerveja que bebia. Em volta, aqueles rostos familiares de pessoas praticamente desconhecidas. “Gente, comprei o último exemplar do Harry Potter! O Voldemort é gay! GAY!”, berrava, batendo na mesa como um lenhador barbudo. Os ex-colegas de trabalho riam, meio constrangidos com a situação, mas sem poder deixar de admitir como era engraçada a exposição daquela mulher bêbada.
O estagiário, agora com cabelo no peito, observava a situação. Estava mais maduro, mas o tempo ainda não havia apagado velhos hábitos, como o de olhar fixamente para o busto de sua ex-superiora. “Já vi melhores, mas eles continuam sensacionais”, pensava, coçando o cocuruto.
“Concordo”, disse uma voz sarcástica. O estagiário olhou para direita. Era Breno, que sorria de forma sacana e erguia a sobrancelha em direção à moça.
Estava zonza e sem filtros. “Estou trabalhando na assessoria do Méqui, ganho lanche e aqueles brinquedos que vem junto com o sanduíche todos os dias. O mais bonitinho é o do Mickey! Lembra a minha lua-de-mel.”
Já passava da 1h. A noite estava fria. Foi então que Fábia, uma das três moças que haviam comparecido ao evento, levantou-se da cadeira e pediu silêncio, emendando em seguida: “Lucíola, estamos muito felizes com a sua vinda a este happy hour”. Lucíola, que agora já passava da sétima cerveja, apenas piscou e sorriu de forma descoordenada.
Fábia continuou o discurso: “Se não fosse por você, essas mais de dez pessoas que cá estão jamais teriam se conhecido, sequer estariam bebendo e se divertindo numa noite como essas. Vamos brindar!” O garçom trouxe uma bandeja cheia de caipirinhas, todas elas de limão. A de Lucíola era a exceção – havia sido feita com um limão marroquino meio amarelado.

Tim-tim!

Depois que todos brindaram, a homenagem continuou: “Lucíola, você foi o elo, a cola que nos uniu durante os últimos anos. Quantas vezes nós, seus ex-subalternos, não nos encontrávamos nos bares da cidade apenas para comentar sobre a sua loucura infantil, sua megalomania e seu comportamento passivo-agressivo? Ou para falar mal da sua vida amorosa e dessa sua cara de pão sírio!”
Fábia fez uma pausa. Lucíola ainda sorria docemente, aparentemente sem compreender uma só palavra dita até então. Waleska, que tinha cabelos tingidos, sacou uma caneta marca-texto amarela do bolso e, rindo de prazer, esfregou-a em toda a face de Lucíola. “Checa os amarelinhos para mim, Lu?”, exclamou, em tom insano. “Fiquei com dúvidas... Rá! Rá!”
Lucíola, que agora aparentava ter doença de fígado, não se sentia bem. A vontade era apenas de fechar os olhos e dormir. Tentou deitar-se sobre a mesa, mas havia um par de braços esticados em direção ao seu tronco. O estagiário apertava seus peitos. “É, já vi melhores mesmo”, afirmou.
Fábia retomou o discurso. “Você deve estar cansada, quer fechar os olhos, não é? Sabe por quê? A sua caipirinha foi feita com álcool zulu e você está entrando em coma alcoólico. Mas onde foi que eu parei? Ah, sim! Sua existência foi algo útil. Veja só: Zizi e Otávio, que se conheceram porque você os contratou, estão prestes a casar. Mas você não será a madrinha.”
Breno havia pedido a conta, que chegou rapidamente e foi paga com a mesma presteza. Momento de despedidas, beijinhos e abraços.
Antes de ir embora, Fábia sussurrou no ouvido de Lucíola: “Também tinha veneno na caipirinha. Não sabíamos se o coma alcoólico conseguiria matar você”. Arrumou o cabelo e acrescentou: “aliás, o veneno foi cortesia do Arnolfo e, antes que eu me esqueça, obrigado por tudo, princesa”.

05/05/2009

Morte 9 - A sombra de Lucíola

Procuro Lucíola! Procuro Lucíola!, gritava pelas ruas o homem louco. Ao entrar em um bar e proferir tal discurso foi saudado por um grupo de ateus com uma zombaria: Oras! você procura Lucíola. Por acaso, ela viajou, está na Disney, ou no meu bolso! Todos riram do homem louco e ele redarguiu: Não, não, eu sei onde está Lucíola. Está morta! E você sabe quem a matou? Nós!Todos nós. Eu, você, todos. Virou as costas e, antes de deixar o bar, esbravejou: Vim cedo demais, cedo demais!