27/02/2009

Morte 8 – Pierrô apaixonado

O salão cheio de confete e serpentina não parou de sambar para receber a Mulher Maravilha. A fantasia, um corpete azul estrelado muito apertado acompanhado de um shortinho meio atolado, escondia a pouca experiência da moça em insinuar-se para o público sob uma máscara de mau gosto.
Dentro da roupa fazia calor. Fora também, mas menos. A Mulher Maravilha caminhou durante cinco compassos de uma marchinha velha de Carnaval que tocava ao fundo e parou. Apontou os indicadores para cima e, sem pudor, balançou como se tentasse fazer a dança da chuva.

“Um pierrô apaixonado
Que vivia só cantando
Por causa de uma colombina
Acabou chorando, acabou chorando...”

“Coitado”, pensou, ao mesmo tempo em que perguntava para um pequeno círculo de confete por que raios as pessoas sambavam ao som de desgraças.

“A colombina entrou num butiquim
Bebeu, bebeu, saiu assim, assim
Dizendo: pierrô, cacete,
Vai tomar sorvete com o arlequim...”

- Ei, mulher maravilha, qual é a sua identidade secreta? – quis saber uma voz masculina, que se aproximou do ouvido da moça como um pernilongo. Ela olhou ao redor, mas havia muita gente e não conseguiu descobrir quem era o curioso, então falou alto, em direção ao nada:
- Lucíola Bretão.

“Um grande amor tem sempre um triste fim
Com o pierrô aconteceu assim
Levando esse grande chute
Foi tomar vermute com amendoim”

A marchinha prosseguia e Lucíola Maravilha girava, sem conseguir reconhecer a garganta que havia lançado xaveco tão avesso ao conceito de originalidade. Definiu que desprezaria o maldito conquistador barato se porventura ele se apresentasse. Foi quando se deu conta de que havia algo diferente em sua cabeça. Passou a mão pelos cabelos e sentiu algo gelatinoso.
- Mas que merda!
- Não, é só espuma – rebateu, às suas costas, o Coringa.
Tomada pela raiva, a Mulher Maravilha sacou o seu laço de ouro, representado por uma corda velha anexada ao lado direito de seu farto quadril, e chicoteou a cara do Coringa. Ele sangrou e soltou uma gargalhada louca.

“Quem não chora não mama
Segura meu bem a chupeta
Lugar quente é na cama
Ou então no Bola Preta”

- Mulher, você é maluca! – acusou o Coringa.
- E você é um escroto! – retrucou Mulher Bretão.
Tomados por uma tensão sexual óbvia entre mocinha e vilão, dois minutos depois estavam se atracando atrás da barraca de cachorro-quente.
- Vai salsicha aí? – sacaneou o vendedor dos sanduíches.
Coringa ignorou o acinte e lascou um beijo borrado de pancake e batom em Lucíola. Em seguida, ofereceu um lencinho perfumado à moça para que ela limpasse o rosto. Ela aceitou de bom grado e adorou o aroma. Queria mais. Coringa espirrava e espirrava, e Mucíola Bragavilha dava risada.

“Eu tenho uma tesourinha
Que corta ouro e marfim
Serve também pra cortar
Línguas que falam de mim”

Num outro canto do salão, Super Homem já estava cansado de lutar com monstros e queria uma recompensa pelo árduo dia de trabalho. Estendeu os braços à frente do corpo e saiu correndo pela multidão. Derrubou cinco pessoas sem fazer esforço.
Foi abastecer as energias perto da barraca de cachorro-quente. Vendedor dos sanduíches, com seu humor inigualável, exclamou aos pulinhos:
- Rá! Veio aqui pegar salsicha enquanto o Coringa está pegando a sua mulher!
Super Homem, revoltado, olhou para onde o engraçadão apontava. E, de fato, lá estava Mulher Maravilha sendo amassada por Coringa, que olhou de relance para o homem de aço e gargalhou com desdém.

“A mulher e a galinha
São dois bichos interesseiros
A galinha pelo milho
E a mulher pelo dinheiro”

Soc! Tum! Paf! Bifa! Coringa caiu desmaiado. Mulher Maravlha ria. Lucíola ria. E não sabia exatamente de quê. Super Homem bufava e ficava com o rosto da cor da cueca que vestia por cima da roupa. De repente, um Homem-Aranha deu um tapa na bunda de Lucíola e teve seu crânio imediatamente esmagado por Super Homem.
- HAHAHA! Eu sou praticamente a viúva negra! HAHA! – teorizou Mulher Maravilha, que ria desenfreadamente.

Engasgou.

Rolava no chão, rindo e se contorcendo em busca de um ar que nunca chegava, nunca chegava, nem nunca chegou. O Super Homem foi embora, com duas dores de cabeça, uma delas por conta da ressaca. E a galera continuou sambando, chutando para o canto os restos da defensora da justiça.

“O pé de anjo, o pé de anjo
És rezador, és rezador
Tens o pé tão grande
Que és capaz de pisar nosso senhor”

3 comentários:

Anônimo disse...

gostei das onomatopéias! rsrsrs!

BDA disse...

Brilhante hein! Muito bem escrito, meu caro!

Anônimo disse...

Ah, gostando de tudo aqui... Só senti falta da morte de Lucíola Maravilha ser mais detalalhada, mais dramática, no meio de todo esse carnaval! Parabéns!