30/09/2009

Morte 16 - Tinha que ser ou Premonição 5

Lucíola acordou. Se espreguiçou e ouviu com um prazer masoquista os ossinhos de suas costas estralarem. Levantou lentamente da cama e se dirigiu ao banheiro. Em frente à pia, abriu a torneira e começou a jogar água no rosto. Abriu os olhos e tomou um susto ao ver sua cara amarrotada refletida no espelho. Pôs-se a escovar os dentes. Esfregadas compassadas: pra cima e pra baixo como o dentista havia lhe ensinado. De repente, vai saber lá por quê, Lucíola resolveu olhar seu relógio e viu que já estava atrasada. Nesse momento, no afã de se assear rapidamente, descurou-se de suas escovadas orquestradas e engasgou-se com a espuma advinda da pasta dental atritada. Ficou vermelha, desesperada, viu seus olhos se arregalarem no espelho, estava quase perdendo os sentidos quando escorrregou e ao bater a parte posterior da cabeça no azulejo consegui expelir em um jato a gosma que lhe atravancava a glote. O ar veio-lhe das profundezas, respirou faminta de oxigênio, aliviada!Ufa! Quase! Levantou-se, vestiu-se, ainda traumatizada pelo acontecimento precedente. Despediu-se do marido, rapidamente, e saiu.

O elevador demorou alguns minutos. Estava no quinto, foi até o décimo terceiro, desceu até o térreo, tudo isso ignorando o chamado de Lucíola que morava no sexto andar. Quando o elvador chegou, Lucíola já estava impaciente, desesperada, quase histérica pela bronca que tomaria pelo atraso. Bronca revestida de ironia. Veneno que ela tanto gostava de destilar nas pessoas. Veneno das almas pequenas. Lucíola entrou na jeringonça. Corrigiu sua postura bruscamente e suas costas estralaram novamente. Aproveitou o ensejo e soltou um pum, aliviada. O elevador parou no quarto andar e ela gelou. O cheiro estava de matar. Ela até gostava, mais, porque era seu, outros, provavelmente, não teriam a mesma opinião e poderiam até vomitar o desjejum matinal ao terem suas narina invadidas por tal podridão. Por sorte, o elevador continuou o percurso com a mesma quantidade de pessoas com o qual havia começado: Lucíola. No primeiro andar, já se preparava para sair. Virou a cabeça de um lado para o outro e dessa vez foi a vez de os ossinhos internos de seus ouvidos estralarem. Gostoso! Mas o andar térreo não chegou, pelo menos não naquele momento. O elevador estacou e as luzes se apagaram, Lucíola desesperou-se, exasperou-se, praguejou, estrebuchou. Era muito azar. Atrasada e presa no elevador! Poucos segundos depois, sua agonia estava findada, as luzes se acenderam e a engenhoca mecânica se encontrava em atividade novamente... subindo e não descendo. Ela não entendeu nada! Como assim? O elevador que estava no primeiro andar agora estava no quinto e parecia que devolveria Lucíola ao início. Nada, passou batido e sua velocidade começou a aumentar. Subia freneticamente. Lucíola desesperada, com o coração palpitante, pensava, agora eu vou morrer!, não tem jeito. Do antipenúltimo para o quase último andar sua velocidade diminuiu, parando suavemente no décimo nono e último andar. Lucíola, assustada, incrédula, preparou-se para apear-se. Vou de escada. Mas a porta não abriu e o elevador, dessa vez, começou a descer, vertiginosamente. Não teve jeito, Lucíola apagou. Foi acordada meia hora depois pelo porteiro que deu com gosto alguns tapas nas bochechas dela. Meu Deus! disse. Estou viva ou em um céu cheio de gente feia! O porteiro Valdenor não gostou nada dessa piada e pensou que um céu cheio de gente feia era bem apropriado para aquela fubanga. Mas o elevador não estava caindo? Aparentemente, pelo que o técnico me disse, ele travou no quarto andar. Uma pena não é verdade?, disse Valdenor. Lucíola viu que aquilo era uma malcriação. Devia tomar uma atitude, forçar a demissão daquele funcionário insolente, mas não era hora, estava, agora, muuuiiiiitoooo atrasada, faria aquilo depois.

No trajeto de carro para empresa onde trabalhava nada de muito estranho aconteceu, apenas algumas barberagens realizadas por Lucíola, que ouvindo música no último volume se desgarrou de algumas faixas, descrevendo zigues-zagues inimagináveis em vias expressas. De praxe. Todos são e salvos. Lucíola chegou ao edifício do trabalho com um hora de atraso, mas, mesmo assim, não quis pegar o elevador. "Gata" escaldada resolveu subir os oito andares a pé. Não adiantou muito; em um dos degraus o salto de Lucíola quebrou e ela perdeu o equilíbrio; seus braços começaram a rodopiar loucamente, pateticamente, em busca de forças para evitar a queda; seu tronco, lentamente, foi pendendo para trás e quando ela deu por si já estava rolando "ladeira abaixo". Felizmente pra ela ( e infelizmente para Valdenor e uma dezena de outras pessoas), nesse mesmo momento, uma funcionário do sétimo andar saía do elevador e observando aquela cena consegui interceptar a bola de boliche humana e evitar que mais estragos acontecessem. Lucíola estava confusa. Feliz por não ter quebrado o pescoço e ter saído daquele acidente com apenas algumas escoriações e um galo na cabeça; assustada por não saber o que estava acontecendo. Como era possível tanta desgraça num dia só? Pensando que desgraça, assim como tantas outros, é uma noção subjetiva; algo que podia ser desgraça pra ela, certamente, não era para os demais, Valdenor included! Seria apenas coincidência?

O dia, finalmente, iria começar. E pensando isso, Lucíola deu uma risadinha com o canto da boca. Iria começar? Senão começou até agora o que foram aquelas coisas estranhas que aconteceram comigo? Chegou com cara de acabada no escritório. Amarrotada, rota, esgarçada. Niguém reparou. Contrariando suas expectativas, ninguém disse que ela estava atrasada, o que era ótimo pra sua baixa auto-estima. Antes de sentar foi até a máquina de café expresso. Era precico encher aquela pança com alguma coisa. Além do que, café era bom para acordar e ela precisava acordar daquele pesadelo horrível. O dia transcorreu sem muitas perturbações. Finalmente, as coisas pareciam estar entrando nos trilhos! Hora de almoço, Lucíola percorreu o caminho até o restaurante mais próximo com muito cuidado. Sempre atenta àquilo que poderia ser o próximo acidente, dessa vez, fatal. Nada ocorreu. Não despencou de elevador, não foi atropelada na rua e não engasgou com a comida. Na volta, tudo na mais perfeita paz, também. Lucíola até sentiu-se feliz, alegre, por estar viva, respirando, saltitando e saltitante foi que ela resolveu fazer um ato de pura abnegação. Precisava tirar xerox de alguns documentos e poderia realizar o mesmo serviço para quem estivesse precisando. Ninguém quis. Contrariando suas expectativas. Lá foi ela, meio macambuzia. Ligou a máquina, abriu-a, colocou os papéis, programou-a. Olhou para o chão. Fio da tomada esticado. Perigo à vista! Ainda bem estava atenta a tempo de com um pequeno movimento pular o obstáculo. Mas nesse pulo desengonçado, seu braço descoordenado levou sua mão a bater num copo de água, que ela mesma havia deixado na máquina ao lado, e derrubá-lo, fazendo a água se espalhar no chão e se misturar com o pó acumulado. Simultaneamente, ao finalizar seu salto, colocando suas duas patinhas no chão, Lucíola ficou sem porto seguro. Começou a patinar em cima da lama que estava criando. Meu Deus! iria cair novamente. Como medida de salvação abriu o espacate, rasgando, assim, sua calça novinha. Foi e voltou com o movimento, não o realizou de forma completa e quando pensou que a situação já estava sob seu controle, escorregou. Primeiro o pé direito chicoteou no ar, depois o esquerdo seguiu sua direção. Caiu de costas, em cima do fio esticado, que desatou-se da tomada, levando junto a máquina de xerox, que iria cair sobre a cabeça de Lucíola não fosse a intervenção de um pequeno armário. Este, com a queda de Lucíola, inclinou-se em um ângulo de 45º, escorando-se na mesa onde estava depositada a máquina, formou uma cabana protetora para ela e fez com que a máquina escorre-se suavemente até a parede. Com essa insondável sequência de acontecimentos, Lucíola, novamente, escapou ilesa. O que não a deixou muito feliz. Não era possível, foi até ao banheiro, chorando, e vomitou o almoço, na privada.

Para não dizer que ninguém reparou no acontecido, a faxineira, duas horas depois, passou na sala do xerox para limpar os lixinhos, vendo aquela cenário de guerra, indagou: O que aconteceu aqui? Quem fez isso? Do fundo da grande sala, viu uma mão levantar-se. Era Lucíola. Dona Gervásia, a empregada, resmungou baixinho, foi buscar a vassoura. Alguém precisava limpar aquela bagunça! Também não ia muito com a cara daquela de Lucíola, a quem chamava de Doida varrida! Lucíola afundou-se em sua cadeira, trancou-se em sua baia. Parecia matutar alguma coisa. Oito da noite. A maioria dos funcionários já havia deixado o prédio. Estava lá, apenas Lucíola e o dono da empresa - o verdadeiro dono e não o filho dele - seu Maia. Aliás, ele era o único que parecia ter algum respeito por Lucíola, que demonstrava alguma afeição por ela. Tchau menina! Vai ficar aí? Já tô indo, seu Maia, já tô indo. Quer que eu te espere? Lucíola, ponderou uns segundos. Não! Não precisa. Seu Maia saiu. Lucíola ficou ouvindo o barulho do elevador chegar. Assim que se certificou de que estava sozinha foi até a janela e se atirou. A morte precisava ser ajudada.

26/09/2009

Amarelo

Um risco amarelo - um sorriso amarelo
Dois riscos amarelos - um xingo singelo
Dez riscos amarelos - começa o pesadelo...

Mais uma edição... Mais reclamação!
Menos paciência... Menos dedicação...

Vestir a camisa
Falar de relé
Fechar a revista
Vira obra de fé

Surge a oposição
Montam um motim
Lucíola, coitada,
Vai comer capim!

Pela raiz...

29/07/2009

Epifania

Breno pensava alto no meio da Avenida Paulista que precisava encontrar inspiração, algo que o conduzisse a um ato extremo e repleto de insanidade, mas que ao mesmo tempo tivesse um significado estrondoso, fosse uma epifania grandiloqüente. Não conseguia mais conter em si a angústia que portava há anos e que tentava transmitir vez ou outra em versos escritos dentro do ônibus, no caminho para casa. Nem ele nem o papel agüentariam por muito tempo o fardo daqueles pequenos momentos de lucidez.
Não se recordava muito bem de quando havia sido a última vez em que fora corroído por qualquer sentimento que viesse das entranhas. Caminhava concentrado na calçada, tentando trazer algo à tona, algo que o despertasse daquele torpor e mansidão com o qual havia se acostumado. “Ódio, preciso sentir ódio”, pensou.
O sábado corria azul enquanto Breno caminhava pelo vão do Masp. Nos vãos de sua mente corriam também os rostos de antigos inimigos que ele tentava ressuscitar. Por um momento, lembrou do último filme do boxeador Rocky Balboa e achou tudo aquilo muito patético. Mas o momento passou e, enquanto ria da sua falta de seriedade, quase foi atropelado na Augusta. O carro tinha um adesivo do Mickey.
Breno piscou satisfeito e caminhou até o metrô.


***


Sexta-feira, dia de fechamento na fortaleza de três andares da rua Catalunha. Passava das 22h e Lucíola tentava recuperar um mês de trabalho atrasado numa única noite. Resmungava para dentro, irritada com a falta de comprometimento dos estagiários em corrigir os parágrafos que ela havia tingido de dourado.
A campainha tocou e Lucíola estranhou. Depois lembrou que havia pedido pizza. Desceu até o portão. O motoboy tinha uma cara estranha. Ela pagou a mercadoria e deu dois reais de gorjeta ao entregador, que perguntou: “Moça, a senhora não tem medo de ficar num lugar desses até altas horas da noite? Essa quebrada é quente.” Lucíola apenas sorriu, feliz por finalmente poder comer alguma coisa. Fechou o portão e subiu as escadas.
Chegando ao escritório, depositou a pizza na mesa de Fábia, com quem havia discutido algumas horas antes. A gordura se condensava nos objetos ao redor. Lucíola regozijava-se e, para completar a lambança, comeu toda a refeição em cima do teclado da colega de trabalho. “A vingança! A vingança!”, pensava. De repente, as palavras do motoqueiro começaram a ecoar em sua cabeça. Não lembrava se havia efetivamente trancado o portão e ficou com medo.
Desceu as escadas pé ante pé, na expectativa de que algo temível poderia acontecer. Não havia sinal de vida por ali, nem dentro do prédio nem na rua. Ela conferiu as fechaduras da entrada - tinha efetivamente esquecido de fechá-las. Sacou a chave do bolso e virou-a duas vezes na tranca. "Seguro morreu de velho", pensou.
De volta ao escritório, suspirou de preguiça. Não queria mais trabalhar, mas mesmo assim sentou-se de frente para o computador. "Vamos acabar logo com isso", decidiu. Começou a digitar loucamente seu editorial. O tema era... era... não havia pensado em um tema. Voltou a se desesperar e bateu a cabeça levemente no tampo da mesa. "Por que eu não ganho na mega-sena?"
Abriu a gaveta e pegou uma garrafa de saquê. Tomou alguns goles. Lembrou de uma vez que ficou bêbada e acabou bitocando uma amiga. A amiga tinha sido mais ousada. Escorregara a mão pelo corpo de Lucíola lascivamente. "Não ficarei bêbada!", ordenou a si mesma.

***

Acordou assustada com o barulho de passos na escada. Estava meio zonza. Cambaleou até a porta da sala e acendeu a luz. Viu o Mickey Mouse no corredor. Ele segurava uma faca de cortar pão. "Estou tendo um pesadelo", pensou Lucíola. Mickey aproximava-se cada vez mais. Ela não tinha reação. De repente, como em um número circense, Mickey atirou a faca em Lucíola. A arma rodopiou e estacionou no meio do peito da moça, cravada como uma estaca no coração de um vampiro.
Mickey observava Lucíola morrer lenta e silenciosamente, quando sentiu uma mão tocar em seu ombro. Olhou para trás. Era o Pateta.
"Caralho", exclamou o roedor. "Quem é você?"
"Seu filho da puta!", disse Pateta, apontando um revólver para o assassino. "Você roubou a minha idéia! Tire essa máscara! Quero ver a sua cara antes de te fazer engolir chumbo!"
Mickey estava com as mãos para cima, rendido. Não entendia... era o plano perfeito. Quem poderia estar ali, na madrugada de um sábado, fantasiado de personagem da Disney para assassinar Lucíola? Ele havia tido uma epifania... somente ele... era o assassinato perfeito. Lembrou que havia uma arma apontada para seu cabeção fantasiado. Tirou a máscara.
"Não acredito... Saulo Ravioli!?", exclamou, embasbacado, o Pateta.
"Quem é você? De onde me conhece?", perguntou Saulo.
Pateta não entendia. Era o plano perfeito. Achou que apenas ele poderia pensar em ir até aquela editora, de madrugada, fantasiado de Pateta - porque algum imbecil já alugara a fantasia de Mickey - para assassinar Lucíola. Ele havia tido uma epifania... somente ele... era o assassinato perfeito.
"Saulo Ravioli... não pode ser. Você matou a Lucíola..."
"Matei mesmo!", disse Saulo. "E daí que eu escrevi matérias baseado na Wikipédia? Que desonra há nisso? E daí que eu falo de um jeito que coloca em dúvida a minha virilidade? Eu gosto é de mulher! Ela não podia ter me demitido... não podia! E sabe quem vai ser a minha próxima vítima? A FÁBIA! HAHAHAHA!"
"Não!", exclamou Pateta. "A Fábia é minha amiga! Ela pode gostar de Teatro Mágico e de ir na festa do peão de Barretos, mas mesmo assim não merece esse destino."
"E quem é que vai me impedir? Você, PATETA?", disse Saulo, num tom afetado, liberando uma gargalhada histérica em seguida.
Um tiro ecoou.
Mickey caiu morto.
Pateta tirou a máscara. Consumou seu ato grandiloqüente, ainda que de forma torta. Pegou um pedaço de pizza que restava sobre a bancada e foi embora.

26/07/2009

O papel e a lasanha

Uma mulher jazia atropelada – e talvez morta – no asfalto velho da Avenida Jaguaré. Era um dia de inverno estranho e úmido e Lucíola voltava para casa no conforto do seu carro. Aguardava o trânsito fluir e, enquanto isso, observava a ambulância do resgate e a cena do acidente. Tentou em vão descobrir alguma coisa por entre as frestas de pernas e braços das pessoas que rodeavam o local. O semáforo abriu e ela acelerou.
Quando escolheu a faculdade de jornalismo, não esperava ter de escrever sobre lâmpadas. Esse tipo de pensamento sempre passava correndo pela sua cabeça quando saía do trabalho. Devia ser um sinal de infelicidade. Mas quem é feliz hoje em dia, questionava a si mesma. O semáforo fechou.
Uma chuva grossa começava a cair no pára-brisa. Estava resfriada. Tentou alcançar uma caixa de lenços no porta-luvas. Assoou o nariz com muita vontade, mas não saiu nada. Abriu o vidro para jogar o papel pela janela. Olhou em volta para checar se não havia autoridade que pudesse multá-la. Não viu ninguém. Alguém buzinou.
Lucíola ficou confusa. Devia ter se distraído. Agora não sabia se jogava fora o lenço, se saía do lugar ou se fechava o vidro para impedir que a chuva caísse dentro do carro. Tentou fazer os três. Engatou a segunda marcha e saiu trepidando. A mão direita no volante, a esquerda jogando o papel pela janela. Ouviu alguém xingá-la. Fechou o vidro com medo e, pelo retrovisor, tentou identificar à distância a origem do palavrão. Era um ciclista que tentava tirar os restos do lenço molhado da própria cara. Mais adiante, o semáforo fechou.
Ela gargalhava. Há tempos não ria desse jeito nem achava algo tão hilário. “Coitado, fodido e mal pago”, pensou, já planejando narrar sua aventura no dia seguinte para os subordinados. Sonhava mais alto até. Imaginava que poderia contar a situação inusitada numa crônica, escrever um livro, dar autógrafos, ser famosa por coisas outras que não a edição de revistas segmentadas. O semáforo abriu.
O telefone tocou. Era o chefe perguntando se a edição do mês já havia sido fechada e gritando após receber uma negativa. Ela tentava manter a pose, respondendo todas as ofensas com voz mansa e subjugada. Faltava pouco para chegar em casa e poder preparar uma lasanha. Não deixaria o patrão estragar seu bom humor.
Desligou o celular com a orelha e os olhos vermelhos.
Entrou no estacionamento do prédio e parou o carro. Respirou aliviada. Não havia mais chuva, patrão, trânsito... Subiu ao apartamento. Checou a secretária eletrônica. Nenhuma mensagem. Ligou a televisão para lhe fazer companhia enquanto o marido não chegava. No ar um programa policial mostrava imagens de um acidente de trânsito. “Na Avenida Jaguaré, uma senhora atropelada – bota na tela, Gilmar”. A mulher havia sobrevivido, mas provavelmente carregaria graves seqüelas. O atropelador não havia prestado socorro.
“Essa senhora deu sorte, mas perto dali - olha só que coisa, minha gente - cinco pessoas mortas por causa de um papel jogado pela janela! Na tela, Gilmar”. Correu um arrepio pela espinha de Lucíola. O ciclista permaneceu parado no meio da rua. Um caminhão não conseguiu frear por causa da pista molhada e tentou desviar. Foi parar numa árvore que caiu em cima de outro carro. Morreram o motorista do caminhão e as quatro pessoas do veículo esmagado pela árvore. O ciclista sobreviveu, mas não sabia dizer quem tinha lhe atirado o lenço de papel na cara – não conseguiu enxergar a tempo.
“Tá ouvindo aí, ô porco? Olha o que você fez! Por sua culpa cinco pessoas morreram. Tinha que fuzilar um canalha desse! Mandar limpar bueiro o resto da vida!”, gritava o apresentador, olhando ferozmente para o telespectador. Lucíola encarava a tela incrédula. Sentia um remorso branco e sem gosto. Teria sido tudo aquilo culpa dela mesmo? Foi, na verdade, culpa do ciclista imbecil.
A campainha tocou. Dois policiais estavam na porta. “Não pode ser. Deve ser alguma outra coisa”, pensou. Abriu a porta e tentou demonstrar indiferença. “Lucíola Bretão?”, perguntou o coxinha. Ela confirmou. “A senhora está presa. Mão na cabeça.”

***

Valdomiro tentava entrar na garagem sem atropelar ninguém. Havia muita gente na frente do prédio, uma ambulância e duas viaturas. “Puta merda... devem ter tentado assaltar”. Subiu ao hall do edifício e o porteiro já veio lhe pedindo calma. “Calma por que, José? O que aconteceu?”
Lucíola havia queimado um semáforo com radar e foi delatada pela foto, que retratava quase o momento exato em que ela jogou o papel sujo no ciclista. Ia ser presa sob acusação de cinco homicídios culposos e agora agonizava no jardim do condomínio.
“Ela pulou sozinha. Não queria ser presa”, disse o policial, quando Valdomiro chegou ao local. Lucíola estava toda quebrada, havia sangue na grama. Ele se aproximou da esposa moribunda que revelou, em seu último suspiro: “A lasanha está no forno...”

18/06/2009

Morte 12 - Sonhos partidos

Lucíola Bretão era incapaz, extremamente incapaz de perceber que ninguém no mundo, mas ninguém mesmo gostava dela. Vejamos, talvez a mãe ou alguma amiga com vocação para Cristo, mas...... era improvável! E triste. Muito triste! Lamentável mesmo! Mas certas pessoas parace que nasceram pra isso; pra serem aquelas malas sem alças bem pesadas mesmo. Lucíola era assim.Certo dia, saltitante e cantarolante, Lucíola caminhava pelas alamedas em que nascera. Parou ao lado do tio da pipoca, senhor simpático qual Lucíola tinha em boa conta.- Como vai tio da pipoca?Nada.- Que foi tio da pipoca?Ele sem pestanejar uma vez. Nem moveu o pescoço.- tio da pipoca?! Eu gosto tanto do senhor. Você é um dos meus melhores amigos. Achei que fôssemos companheiros!O tio da pipoca finalmente saiu de sua letargia e com olhos rubros de raiva voltou-se para Lucíola vociferando:- Eu não aguento mais, menina! Você é a pessoa mais chata que eu já vi. Vem sempre aqui no meu carrinho e fica querendo puxar assunto. Você não percebeu que eu não te suporto? Aliás, ninguém te suporta nesse bairro. O japônes do mini-mercado não te aguenta. O português da padaria prefere morrer do que te encontrar na rua e o Bira da pizzaria corta um dobrado pra se esconder sempre que te vê passando. E não são só eles: sua mãe vive reclamando de você, dizendo que se não fosse da família já tinha te mandado embora de casa.Antes de terminado o discurso, Lucíola já chorava. Como? Como assim?, pensava ela. Ninguém me ama. Ninguém me quer. Ninguém me chama de meu amor. Foi pra casa e se matou com técnicas roubadas do ator norte-americano David Carradine, o Bill do filme Kill Bill.PS: Essa foi para todos aqueles que são segregados em suas vidas sociais. Crueldade tem limites!

27/05/2009

De repente

Eis que numa bela manhã saindo de casa, a princesa lucíola - que ainda nao havia contado ao seu príncipe que estava sem emprego - ia em seu carro, sem rumo, ao som de um trovador chamado pedro mariano, pelas ruas da cidade - atropelou um anônimo na rua. Ela nao conseguiu evitar, estava sonhando acordada imaginando-se subindo ao palco com sua amiga lesbo piriguete para atacarem o ídolo. Não viu e passou por cima do mala do anônimo.
Ao descer do carro, a raiva que o pobre anônimo sentia, junto com a dor, evoluiram para uma reação. Tal qual João de Santo Cristo, deu cinco tiros na louca sonhadora. Foi exatamente em direção à cabeça da tresloucada moça, que antes de morrer ainda recitou:
*"De repente a gente saca
Que só não passa o que já passou
Sem vergonha e sem orgulho
Nós somos feitos do mesmo pó"

* nota do autor: música De Repente de pedro mariano

Um feliz conto natalino

Então é Natal…
Lucíola preparava sua ceia. Quase uma mentira começar assim. A verdade é que ela estava apenas desembrulhando e colocando em belas travessas o grande peru que comprou. Mais fácil assim e o parvo do marido nunca que descobriria. Ela pensava em tudo, inclusive desovava os pacotes no lixo da vizinha. Gostava de dizer pra ele que mesmo tão cansada de ficar cozinhando, tinha tomado um banho e ficado cheirosa só para ele. Terminou o trabalho ridículo e foi para a banheira. Ligou a água, experimentou a temperatura e jogou sais de banho. Voltou para ligar um som. A trilha sonora que fazia seus vizinhos de apê desejar com todas as forças que seus tímpanos estourassem. Sim, Pedro Mariano pela bilhionésima vez! Saiu cantando, estava feliz, teria tempo ainda para jogar Harry Potter no computador, antes do idiota chegar. Foi cantarolando e lembrando da viagem na qual comprou o jogo....
Tirou seu elegante robe da Minnie, com direito a orelhas e tudo, e deixou-se deitar na banheira!
Seus pés ficavam batucando na torneira, fechou os olhos e começou a imaginar um tórrido romance com seu cantor preferido! Estava relaxada, nem percebeu uma pessoa em seu banheiro... não sentiu uma mão envolvendo seu pescoço, que foi apertando cada vez mais, ela então percebeu que não fazia parte do sonho que estava criando, tentou abrir os olhos mas foi empurrada para a água, tentou gritar, foi em vão! os sentidos foram sumindo, a música já não chegava aos seus ouvidos... Lucíola estava morta.

24/05/2009

Morte 10 - Obrigado por tudo

Saiu do restaurante com um cheiro de fritura na roupa. Há meses estava nesta situação, escrevendo sobre como é saudável as crianças comerem hambúrgueres e batatas fritas, impregnando-se daquela rotina maçante e polvilhada de hipocrisia. Mas não estava em posição de exigir coisa melhor. Na verdade, aquilo era o que de melhor havia alcançado até aquele momento. “É só um trabalho”, repetia a si mesma, tentando redimir a mediocridade da situação.
Chegou cedo em casa e sentou no sofá. Pensou nas coisas que ainda precisava fazer, no marido... O sono veio logo. Sonhou com o antigo emprego, com as ordens que despejava nos estagiários e com a submissão raivosa ao maldito diretor da empresa. Acordou nervosa e com sede. “Filho da puta”, murmurou, com voz embriagada.
Levantou-se para pegar um copo d’água e, no caminho para a cozinha, ligou o computador. Encheu um copo meio ensebado que estava perto do filtro e bebeu tudo. Voltou para a sala e foi checar e-mails.
Havia trinta mensagens na caixa de entrada, mas apenas uma lhe chamou a atenção. Era um convite para um happy hour, enviado pelas pessoas do antigo emprego. “Que coincidência”. Uma reunião casual, regada à cerveja num desses bares que se pretendem chiques perto da Paulista, às 19h30.
“Alô? Oi, querido. Você vai chegar tarde hoje? Jantar com quem? Não gosto desse cara. Tudo bem. Eu vou dar uma saída, encontrar umas amigas. Mais tarde a gente conversa. Tchau.”
Claro que não haveria só amigas no boteco – se é que haveria amigas, afinal aquelas pessoas não eram confiáveis. Também estaria lá aquele estagiário que a encarava descarada e despudoradamente nos dias de calor. “Nunca me olhava nos olhos, o safado. Agora já deve até ter cabelo no peito, afinal faz tanto tempo.”
Entrou embaixo do chuveiro e a água, inicialmente fria, deixou-a gelada. Deu um pulinho para trás e a barriga chacoalhou com um movimento mole e adiposo. Incomodou-se com a própria nudez e sentiu vergonha. Tomou o banho rapidamente, tentando lembrar onde estaria aquela meia-calça milagrosa que reduz a cintura e contraria a gravidade.
Vestiu uma roupa descolada e passou aquele perfume ma-ra-vi-lho-so de baunilha. “A noite vai ser boa...”, cantarolava ao sair do apartamento. Quando colocou a chave do carro no contato, lembrou: “Não escovei os dentes”.

***


Já era a quarta cerveja que bebia. Em volta, aqueles rostos familiares de pessoas praticamente desconhecidas. “Gente, comprei o último exemplar do Harry Potter! O Voldemort é gay! GAY!”, berrava, batendo na mesa como um lenhador barbudo. Os ex-colegas de trabalho riam, meio constrangidos com a situação, mas sem poder deixar de admitir como era engraçada a exposição daquela mulher bêbada.
O estagiário, agora com cabelo no peito, observava a situação. Estava mais maduro, mas o tempo ainda não havia apagado velhos hábitos, como o de olhar fixamente para o busto de sua ex-superiora. “Já vi melhores, mas eles continuam sensacionais”, pensava, coçando o cocuruto.
“Concordo”, disse uma voz sarcástica. O estagiário olhou para direita. Era Breno, que sorria de forma sacana e erguia a sobrancelha em direção à moça.
Estava zonza e sem filtros. “Estou trabalhando na assessoria do Méqui, ganho lanche e aqueles brinquedos que vem junto com o sanduíche todos os dias. O mais bonitinho é o do Mickey! Lembra a minha lua-de-mel.”
Já passava da 1h. A noite estava fria. Foi então que Fábia, uma das três moças que haviam comparecido ao evento, levantou-se da cadeira e pediu silêncio, emendando em seguida: “Lucíola, estamos muito felizes com a sua vinda a este happy hour”. Lucíola, que agora já passava da sétima cerveja, apenas piscou e sorriu de forma descoordenada.
Fábia continuou o discurso: “Se não fosse por você, essas mais de dez pessoas que cá estão jamais teriam se conhecido, sequer estariam bebendo e se divertindo numa noite como essas. Vamos brindar!” O garçom trouxe uma bandeja cheia de caipirinhas, todas elas de limão. A de Lucíola era a exceção – havia sido feita com um limão marroquino meio amarelado.

Tim-tim!

Depois que todos brindaram, a homenagem continuou: “Lucíola, você foi o elo, a cola que nos uniu durante os últimos anos. Quantas vezes nós, seus ex-subalternos, não nos encontrávamos nos bares da cidade apenas para comentar sobre a sua loucura infantil, sua megalomania e seu comportamento passivo-agressivo? Ou para falar mal da sua vida amorosa e dessa sua cara de pão sírio!”
Fábia fez uma pausa. Lucíola ainda sorria docemente, aparentemente sem compreender uma só palavra dita até então. Waleska, que tinha cabelos tingidos, sacou uma caneta marca-texto amarela do bolso e, rindo de prazer, esfregou-a em toda a face de Lucíola. “Checa os amarelinhos para mim, Lu?”, exclamou, em tom insano. “Fiquei com dúvidas... Rá! Rá!”
Lucíola, que agora aparentava ter doença de fígado, não se sentia bem. A vontade era apenas de fechar os olhos e dormir. Tentou deitar-se sobre a mesa, mas havia um par de braços esticados em direção ao seu tronco. O estagiário apertava seus peitos. “É, já vi melhores mesmo”, afirmou.
Fábia retomou o discurso. “Você deve estar cansada, quer fechar os olhos, não é? Sabe por quê? A sua caipirinha foi feita com álcool zulu e você está entrando em coma alcoólico. Mas onde foi que eu parei? Ah, sim! Sua existência foi algo útil. Veja só: Zizi e Otávio, que se conheceram porque você os contratou, estão prestes a casar. Mas você não será a madrinha.”
Breno havia pedido a conta, que chegou rapidamente e foi paga com a mesma presteza. Momento de despedidas, beijinhos e abraços.
Antes de ir embora, Fábia sussurrou no ouvido de Lucíola: “Também tinha veneno na caipirinha. Não sabíamos se o coma alcoólico conseguiria matar você”. Arrumou o cabelo e acrescentou: “aliás, o veneno foi cortesia do Arnolfo e, antes que eu me esqueça, obrigado por tudo, princesa”.

05/05/2009

Morte 9 - A sombra de Lucíola

Procuro Lucíola! Procuro Lucíola!, gritava pelas ruas o homem louco. Ao entrar em um bar e proferir tal discurso foi saudado por um grupo de ateus com uma zombaria: Oras! você procura Lucíola. Por acaso, ela viajou, está na Disney, ou no meu bolso! Todos riram do homem louco e ele redarguiu: Não, não, eu sei onde está Lucíola. Está morta! E você sabe quem a matou? Nós!Todos nós. Eu, você, todos. Virou as costas e, antes de deixar o bar, esbravejou: Vim cedo demais, cedo demais!

27/02/2009

Morte 8 – Pierrô apaixonado

O salão cheio de confete e serpentina não parou de sambar para receber a Mulher Maravilha. A fantasia, um corpete azul estrelado muito apertado acompanhado de um shortinho meio atolado, escondia a pouca experiência da moça em insinuar-se para o público sob uma máscara de mau gosto.
Dentro da roupa fazia calor. Fora também, mas menos. A Mulher Maravilha caminhou durante cinco compassos de uma marchinha velha de Carnaval que tocava ao fundo e parou. Apontou os indicadores para cima e, sem pudor, balançou como se tentasse fazer a dança da chuva.

“Um pierrô apaixonado
Que vivia só cantando
Por causa de uma colombina
Acabou chorando, acabou chorando...”

“Coitado”, pensou, ao mesmo tempo em que perguntava para um pequeno círculo de confete por que raios as pessoas sambavam ao som de desgraças.

“A colombina entrou num butiquim
Bebeu, bebeu, saiu assim, assim
Dizendo: pierrô, cacete,
Vai tomar sorvete com o arlequim...”

- Ei, mulher maravilha, qual é a sua identidade secreta? – quis saber uma voz masculina, que se aproximou do ouvido da moça como um pernilongo. Ela olhou ao redor, mas havia muita gente e não conseguiu descobrir quem era o curioso, então falou alto, em direção ao nada:
- Lucíola Bretão.

“Um grande amor tem sempre um triste fim
Com o pierrô aconteceu assim
Levando esse grande chute
Foi tomar vermute com amendoim”

A marchinha prosseguia e Lucíola Maravilha girava, sem conseguir reconhecer a garganta que havia lançado xaveco tão avesso ao conceito de originalidade. Definiu que desprezaria o maldito conquistador barato se porventura ele se apresentasse. Foi quando se deu conta de que havia algo diferente em sua cabeça. Passou a mão pelos cabelos e sentiu algo gelatinoso.
- Mas que merda!
- Não, é só espuma – rebateu, às suas costas, o Coringa.
Tomada pela raiva, a Mulher Maravilha sacou o seu laço de ouro, representado por uma corda velha anexada ao lado direito de seu farto quadril, e chicoteou a cara do Coringa. Ele sangrou e soltou uma gargalhada louca.

“Quem não chora não mama
Segura meu bem a chupeta
Lugar quente é na cama
Ou então no Bola Preta”

- Mulher, você é maluca! – acusou o Coringa.
- E você é um escroto! – retrucou Mulher Bretão.
Tomados por uma tensão sexual óbvia entre mocinha e vilão, dois minutos depois estavam se atracando atrás da barraca de cachorro-quente.
- Vai salsicha aí? – sacaneou o vendedor dos sanduíches.
Coringa ignorou o acinte e lascou um beijo borrado de pancake e batom em Lucíola. Em seguida, ofereceu um lencinho perfumado à moça para que ela limpasse o rosto. Ela aceitou de bom grado e adorou o aroma. Queria mais. Coringa espirrava e espirrava, e Mucíola Bragavilha dava risada.

“Eu tenho uma tesourinha
Que corta ouro e marfim
Serve também pra cortar
Línguas que falam de mim”

Num outro canto do salão, Super Homem já estava cansado de lutar com monstros e queria uma recompensa pelo árduo dia de trabalho. Estendeu os braços à frente do corpo e saiu correndo pela multidão. Derrubou cinco pessoas sem fazer esforço.
Foi abastecer as energias perto da barraca de cachorro-quente. Vendedor dos sanduíches, com seu humor inigualável, exclamou aos pulinhos:
- Rá! Veio aqui pegar salsicha enquanto o Coringa está pegando a sua mulher!
Super Homem, revoltado, olhou para onde o engraçadão apontava. E, de fato, lá estava Mulher Maravilha sendo amassada por Coringa, que olhou de relance para o homem de aço e gargalhou com desdém.

“A mulher e a galinha
São dois bichos interesseiros
A galinha pelo milho
E a mulher pelo dinheiro”

Soc! Tum! Paf! Bifa! Coringa caiu desmaiado. Mulher Maravlha ria. Lucíola ria. E não sabia exatamente de quê. Super Homem bufava e ficava com o rosto da cor da cueca que vestia por cima da roupa. De repente, um Homem-Aranha deu um tapa na bunda de Lucíola e teve seu crânio imediatamente esmagado por Super Homem.
- HAHAHA! Eu sou praticamente a viúva negra! HAHA! – teorizou Mulher Maravilha, que ria desenfreadamente.

Engasgou.

Rolava no chão, rindo e se contorcendo em busca de um ar que nunca chegava, nunca chegava, nem nunca chegou. O Super Homem foi embora, com duas dores de cabeça, uma delas por conta da ressaca. E a galera continuou sambando, chutando para o canto os restos da defensora da justiça.

“O pé de anjo, o pé de anjo
És rezador, és rezador
Tens o pé tão grande
Que és capaz de pisar nosso senhor”